Audiência pública realizada em 04 de maio fez parte de agenda da Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana da Assembleia Legislativa de Minas Gerais com os territórios atingidos e alavanca debate sobre repactuação
Por Andressa Zumpano – Comunicação CAT/ATI
Deputados federais e estaduais de Minas Gerais, que compõem a Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, realizaram audiência pública, no dia 04 de maio, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Governador Valadares, para debater os impactos ambientais na Bacia Hidrográfica do Rio Doce e os danos nas condições de vida da população local ocasionados pelo rompimento da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco (VALE e BHP), além de alavancar a discussão sobre o novo acordo de Repactuação.
Além dos parlamentares, participaram representantes do Governo Federal, através da Advocacia Geral da União (AGU), Secretaria Geral da Presidência da República e Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS); da sociedade civil, com atingidos e atingidas dos territórios próximos a Governador Valadares, discentes e docentes das Universidades e Institutos Federais do município e movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
O deputado Ulysses Gomes (PT), presidente e relator da Comissão, iniciou a audiência expondo os objetivos desta agenda, que foi composta por uma série de visitas a territórios atingidos nos municípios de Aimorés, Governador Valadares, Barra Longa, Mariana e Ouro Preto. Na ocasião, o deputado afirmou que a comissão pretende elaborar um relatório com o intuito de “cobrar dos órgãos competentes envolvidos nessa negociação e a mudança da proposta deste acordo, garantindo as demandas dos atingidos”.
Este processo de escuta da população, que há quase 8 anos enfrenta os danos advindos do desastre-crime da Samarco, é fruto de reivindicação dos territórios atingidos, para que haja uma participação efetiva nas discussões sobre o acordo. A população da Bacia do Rio Doce denuncia a ausência de escuta qualificada das suas demandas e falta de informações confiáveis sobre o que vem sendo discutido nas mesas de negociação da Repactuação, que seguem em sigilo.
As pautas referentes à participação dos atingidos e o desconhecimento sobre propostas para a reparação integral na repactuação deram o tom na fala. José Pavuna, assentado da reforma agrária do município de Tumiritinga, que faz parte do Território 05, acompanhado pela Assessoria Técnica Independente do CAT, expõe que “querem fazer essa Repactuação sobre nós e não com nós, são apenas políticos e empresas conversando e quem são atingidos, não são os políticos. Quem é atingido está na margem do rio e temos nossa produção. Na repactuação estão trabalhando muito os recursos para os políticos, para os prefeitos, que não chegam em nós, atingidos.”
Os impactos socioeconômicos na vida dos atingidos também foram debatidos durante a audiência. São inúmeras as reivindicações acerca da contaminação das águas do Rio Doce, que interfere diretamente na produção de alimentos, pesca e criação de animais para consumo e como fonte de renda da população. A atuação da Fundação Renova também foi reiteradamente questionada pelas pessoas atingidas, que apresentaram denúncias sobre o acesso aos programas de assistência técnica, indenizações e auxílio financeiro.
Edmilson Gusmão, agricultor familiar do território de Galileia, que integra o Território 05, evidencia em sua fala os danos à produção de alimentos e os impactos cotidianos na vida dos atingidos. “Vejo hoje a situação do rio Doce…Minha produção de banana está contaminada e até hoje nunca tive um reparo técnico. A lei tem que ser cumprida, para o pobre, para o rico, para todo mundo. Eu queria que vocês entendessem isso e vivessem da nossa vida lá no leito do Rio Doce”, relata.
Repactuação do acordo
Mediado pelo Conselho Nacional de Justiça e em pauta há quase dois anos, um novo acordo sobre o desastre-crime da Samarco está sendo discutido, em negociação que envolve as empresas Samarco, Vale e BHP, responsáveis pelo rompimento da Barragem do Fundão, instituições de justiça (MPF, MPE e defensorias públicas), governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo e governo federal.
Ainda que mantido sob sigilo, conforme o Ministério Público Federal de Minas Gerais, o novo acordo prevê a criação de fundos direcionados para a área da saúde, planejamento urbano em municípios impactados por enchentes, meio ambiente, saneamento básico e para incentivar a economia verde na região. As instituições de justiça envolvidas na negociação alegam que o acordo se faz necessário diante da morosidade no processo de reparação encabeçado pela Fundação Renova, falta de transparência na prestação de contas de seus gastos e as diversas falhas na execução de seus programas e pagamento de indenizações.
Desde o final do ano passado, o governo federal e seus representantes passam a compor as negociações sobre a repactuação do acordo de Mariana, contando com a participação dos Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Saúde, Pesca e Aquicultura, Minas e Energia, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Igualdade Racial, Povos Indígenas, Previdência Social, Transportes e Cidades, além do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Luíza Dulci, representante da Secretaria Geral da Presidência da República, participou da agenda junto à Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana e pontuou sobre a participação do governo federal durante audiência pública em Governador Valadares. “Somos mais de 10 ministérios com encontros semanais sobre a repactuação na mesa do CNJ. Nosso compromisso é que esse acordo não seja assinado sem que haja uma rodada de escuta com possibilidade de devolutiva nos territórios da Bacia, por uma efetividade no controle social e participação dos atingidos”, relata.
Ainda que não tenha sido implementado em sua totalidade, o TAC-GOV prevê, em sua cláusula 98º, que o Processo de Repactuação somente teria início após a implementação das Comissões Locais, das Assessorias Técnicas, e entrega dos estudos de impactos socioeconômicos e socioambientais pelos Experts do MPF.
No entanto, a população atingida da Bacia do Rio Doce e movimentos sociais denunciam a ausência de participação e de informações referentes à repactuação, assim como de garantias sobre a reparação integral de seus territórios, visto que não possuem espaço de diálogo na mesa de negociação. Também não há maiores informações sobre a efetividade na responsabilização das empresas responsáveis pelos danos permanentes e contínuos aos territórios impactados e dos valores totais direcionados aos referidos fundos.
Lana Maria, representante da Comissão de Atingidos do território de Governador Valadares, relatou durante a audiência que “a repactuação representa o medo para o atingido…Então quem diz que representa os atingidos na mesa de negociação de fato não representam. Os governos estaduais de MG e ES tem pressa em assinar esse acordo sendo que tem muitos atingidos que ainda nem foram reconhecidos. Não vemos a preocupação dos governos com o atingido, só vemos uma corrida em busca de dinheiro. Nós temos medo que o dinheiro dos atingidos vá para a mão do Estado.”