Justiça determina continuidade no pagamento de lucros cessantes a atingidos por rompimento da barragem de Fundão: Uma vitória na luta por reparação integral

Decisão amplia o direito à indenização anual por lucros cessantes à população atingida, incluindo aqueles que já assinaram termo de quitação final e determina o pagamento de retroativo àqueles que tiveram o recebimento desta indenização cancelado

Foto: Ana Miranda / CAT ATI

Em uma decisão histórica para a população atingida pelo rompimento da barragem da Samarco (VALE/BHP) em Mariana, Minas Gerais, no dia 5 de novembro de 2015, a 4ª Vara Federal proferiu uma decisão que garante o direito ao pagamento de lucros cessantes mesmo para aqueles que já aderiram ao Programa de Indenização Mediada (PIM) ou ao Sistema Novel.

A decisão, proferida pelo juiz Vinicius Cobucci no dia 15 de maio de 2024 ao analisar pedidos feitos pelas Instituições de Justiça, reconhece que, apesar da quitação firmada pelos atingidos que já aderiram aos sistemas indenizatórios, os danos causados pelo desastre continuam a gerar perdas financeiras. O magistrado argumenta que a Fundação Renova, responsável pela reparação dos danos, não conseguiu implementar medidas eficazes para a completa recomposição das atividades econômicas e sociais das comunidades atingidas.

Na decisão, o juiz esclarece que a quitação integral dada aos participantes do PIM e do Novel inclui os lucros cessantes, excetuando apenas os danos futuros. Contudo, a indenização estipulada pelo Novel se limitou a um período de 71 meses, que terminou em outubro de 2021. O juiz destacou que os efeitos do rompimento da barragem continuam causando novos danos, devido à incapacidade da Fundação Renova em restaurar as condições econômicas e ambientais prévias ao desastre. Portanto, esses danos, inclusive os lucros cessantes, devem ser indenizados para evitar a violação dos direitos humanos das pessoas atingidas e o enriquecimento ilícito das empresas responsáveis.

Apesar de não trazer determinações nesse sentido, o juiz chega a reconhecer que até mesmo aqueles que receberam indenização apenas por meio do sistema Novel teriam direito aos lucros cessantes a partir de novembro de 2021, desde que comprovem os impactos contínuos do desastre após essa data. Se os atingidos iniciaram novas atividades econômicas, a Fundação Renova deve provar que essas atividades não foram uma consequência da falta de pagamento dos lucros cessantes e que não são precárias. Caso contrário, o pagamento não pode ser negado.

Foto: Ana Miranda / CAT ATI

Determinações à Fundação Renova

Entre as principais determinações à Fundação Renova estão:

  • Pagamento Anual de Lucros Cessantes: Todos os atingidos incluídos no PIM, de diversas categorias econômicas, têm direito a receber os lucros cessantes até que possam retomar suas atividades econômicas de forma segura, com a possibilidade de retomada constatada pelo Comitê Interfederativo – CIF ou Poder Judiciário.
  • Pagamentos Retroativos e contínuos do PIM: A Fundação deve pagar retroativamente e de forma contínua os lucros cessantes àqueles cujos pagamentos foram cancelados indevidamente, com juros e correção monetária.
  • Indenização a Pescadores e Pescadoras: Especificamente para pescadores e pescadoras, a decisão prevê o pagamento de lucros cessantes a partir de novembro de 2021, mesmo que tenham aderido ao Novel e assinado termos de quitação.
  • Listas de Pescadores: A Fundação Renova deve apresentar listas de pescadores que tiveram pagamentos interrompidos ou pedidos de adesão ao PIM negados devido à adesão ao Novel, mantendo o sigilo e identificação dos afetados.
  • Reinclusão no PIM: Pescadores excluídos do PIM após receberem indenização pelo Novel poderão ser reincluídos no programa, recebendo pagamentos retroativos com juros e correção.
  • Reanálise de Elegibilidade: Todos os pescadores que solicitaram adesão ao PIM até 31 de dezembro de 2021 e tiveram seus pedidos negados pela Fundação Renova deverão ter seus casos reabertos para nova análise.

Foto: Wan Campos / CAT ATI

Ampliação do direito à indenização

Uma das principais conquistas dessa decisão reside na ampliação do direito à indenização por lucros cessantes mesmo após a quitação final, reconhecendo o direito a receber valores anuais mesmo após a assinatura do termo de quitação. A decisão abre caminho para que categorias profissionais que tiveram suas atividades prejudicadas pelo rompimento da barragem recebam os valores referentes aos lucros que deixaram de auferir em decorrência do desastre. É importante lembrar que as pessoas que foram indenizadas em categorias de subsistência, como pescadores ou agricultores de subsistência, não têm direito a lucros cessantes, pois entende-se que não lucravam com a atividade.

Manifestações no processo

A decisão faz parte do processo nº 1000415-46.2020.4.01.3800, relacionado ao Eixo Prioritário nº 7. O pedido das Instituições de Justiça defendia o direito dos pescadores ao recebimento de lucros cessantes como “dano futuro”, excluído do termo de quitação do Novel, com retomada de pagamentos após outubro de 2021.

As empresas envolvidas argumentaram que o Novel era facultativo e que a quitação era definitiva, cobrindo apenas 71 meses de lucros cessantes. A Fundação Renova alegou que os pedidos das Instituições de Justiça estavam em desacordo com a Deliberação CIF nº 119/2017 e reforçou o caráter definitivo da quitação do Novel.

Por outro lado, o CIF e as Instituições de Justiça sustentaram que os pagamentos de lucros cessantes devem continuar enquanto não houver a retomada segura das atividades impactadas. Eles também destacaram as restrições à pesca devido às proibições vigentes, que afetam significativamente a renda e a soberania alimentar dos pescadores.

Foto: Ana Miranda / CAT ATI

Prazo para cumprimento da decisão e recursos

A Fundação Renova tem 90 dias para cumprir a decisão judicial, a partir da data de sua publicação. É importante ressaltar que cabe recurso contra a decisão, o que significa que o pagamento dos lucros cessantes pode não ocorrer dentro do prazo estabelecido.

A decisão da 4ª Vara Federal representa um marco histórico na luta das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco (VALE/BHP) e reforça a responsabilização das empresas causadoras do desastre-crime. O reconhecimento do direito à continuidade do pagamento de lucros cessantes, mesmo para aqueles que já  assinaram termo de quitação nos sistemas indenizatórios, é um passo fundamental para a reparação integral dos danos causados pelo desastre-crime.

Recomendações para os atingidos

É fundamental que os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão estejam cientes da decisão judicial e dos seus direitos. Para mais informações, é recomendável buscar orientação com as Assessorias Técnicas Independentes, caso haja a contratação de serviços de advocacia, estejam atentos a contratos com cláusulas abusivas, cobrança indevida de pagamentos de taxas e honorários advocatícios e procurações com poderes excessivos.