Justiça determina medidas para garantir direito ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) às pessoas atingidas

Decisão é proferida após pessoas atingidas relatarem às Assessorias Técnicas Independentes terem recebidos comunicados da Fundação Renova de negativas de acesso ao AFE

Salmom Lucas

A 4ª Vara Federal Cível e Agrária da Subseção Judiciária de Belo Horizonte proferiu uma decisão, no dia 25 de março de 2024, que determina uma série de medidas para garantir o direito ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) às pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. Essas medidas visam assegurar que os pedidos de acesso ao auxílio sejam analisados de forma individualizada e fundamentadas, sem que o pagamento de indenização ou a assinatura de termos de quitação seja justificativa para negar a elegibilidade ao benefício. 

A decisão é em decorrência das reclamações das pessoas atingidas às Assessorias Técnicas Independentes e da manifestação levada pelas Instituições de Justiça (IJs) no processo, sobre o fato da Fundação Renova ter negado o direito das pessoas atingidas ao AFE, tendo como justificativa a adesão ao termo de quitação do Novel. Desde janeiro de 2024, a Fundação Renova tem expedido, sistematicamente, comunicados às pessoas atingidas informando a inelegibilidade do auxílio, em resposta às solicitações formalizadas no sistema.

Portanto, os seguintes pontos da decisão judicial foram:

1 – Não negar a elegibilidade ao AFE:

A Fundação Renova está PROIBIDA de negar a elegibilidade das pessoas atingidas ao direito ao AFE sob o fundamento de que o pagamento de indenização e a assinatura do termo de quitação exigido aos atingidos e atingidas que aderiram ao Novel excluem ao AFE. 

2 – Avaliação imediata dos requerimentos negados:

A Fundação Renova deve fazer a  AVALIAÇÃO  do requerimento do AFE em favor das pessoas atingidas que tiveram tal direito negado com fundamento no pagamento de verbas indenizatórias e na assinatura de termo de quitação exigido dos atingidos que aderiram ao NOVEL.

3 – Listagem das pessoas atingidas com elegibilidade negada:

A Fundação Renova deve apresentar uma lista nos autos do processo (sob sigilo), contendo a relação de todas as pessoas atingidas que tiveram negada sua elegibilidade ao AFE, sob o fundamento de que não possuiriam tal direito em razão do pagamento de indenização e do termo de quitação exigido no âmbito do Novel. Essa listagem, que deverá ser entregue dentro de um PRAZO DE 10 DIAS, precisa conter informações detalhadas, como nome completo, protocolo de atendimento, município de residência, data da solicitação de adesão ao AFE e data da decisão de indeferimento à elegibilidade ao AFE. 

4 – Deliberação CIF nº 58/2017

A Fundação Renova deve adotar as mesmas ações listadas acima nos pedidos nos casos de indeferimento relacionado às pessoas atingidas localizados nos territórios impactados identificados na Deliberação CIF nº 58/2017, que determinou a inclusão como áreas estuarinas, costeiras e marinhas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, diversos municípios capixabas. 

Após a reanálise dos pedidos de acesso ao AFE, nos casos em que as pessoas estiverem dentro dos critérios de elegibilidade  estabelecidas no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), a Fundação Renova deverá obedecer o que foi determinado nas decisões anteriores sobre o tema, como o início do pagamento a partir da data da reconhecimento do direito, e o valor retroativo. “É preciso que haja uma análise fundamentada e de boa-fé, pela Fundação Renova, para a concessão ou não do benefício, em obediência ao TTAC e os precedentes judiciais”, destacou o juiz. 

A decisão apontou ainda que é evidente o prejuízo ao processo de reparação, conforme apontado pelas Instituições de Justiça e, em função disso, aplicou multa no valor de R$ 250 mil à Fundação Renova por litigância de má fé (agir com o objetivo de causar dano ao processo), com a justificativa de que “atua deliberadamente em sentido contrário à sua finalidade de reparação e tutela o interesse econômico de suas mantenedoras”. 

Mas até chegar à decisão do dia 25 de março de 2024, é importante entender em detalhes a questão das negativas do direito ao Auxílio Financeiro Emergencial, de acordo com a cronologia dos fatos. Confira abaixo a linha do tempo com as principais informações sobre o caso: 

Carta de negativa ao AFE às pessoas atingidas

As pessoas atingidas, a partir de janeiro de 2024, passaram a receber comunicados com informações da não inelegibilidade ao AFE, tanto em resposta a solicitações formalizadas pelo seu sistema, quanto por meio de mensagens enviadas ao WhatsApp das pessoas atingidas.  

Ao todo, segundo a Ouvidoria da Fundação Renova em reunião com Assessoria Técnica Independente – Cáritas Diocesana de Governador Valadares e lideranças atingidas no dia 13 de março de 2024, foram cerca de 25 mil pessoas atingidas que receberam o comunicado de negativa do AFE em toda a Bacia do Rio Doce, conforme o modelo abaixo: 

28 DE FEVEREIRO DE 2024: manifestação das Instituições de Justiça

Em resposta à situação e em atendimento às Assessorias Técnicas Independentes que informam às Instituições de Justiça sobre os comunicados de negativa ao AFE, as IJs se manifestaram nos autos do processo no dia 28 de fevereiro de 2024 sobre o caso. 

“Trata-se de mais uma conduta reprovável tomada pela Fundação Renova, sempre com intuito de prejudicar o direito das pessoas atingidas ao recebimento de seus direitos. Mais grave: em se tratando de negativa indevida ao pagamento de AFE, que não possui natureza indenizatória, constituindo em verba emergencial essencial à manutenção do mínimo existencial, o abuso praticado pela Fundação Renova resulta em grave violação à dignidade humana das pessoas atingidas”, destacou o documento. 

As IJs citam ainda que, em decisão anterior, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconheceu o caráter indisponível do AFE – ou seja, direito que o cidadão não pode abrir mão – e que não há relação entre o direito ao AFE e o termo de quitação do Novel. 

As instituições apontam ainda a Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB), que preconiza que é direito das pessoas atingidas o auxílio emergencial que assegure a manutenção  dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes antes do rompimento. 

Como encaminhamento, às Instituições de Justiça solicitaram que: 

1 – A Fundação Renova se abstenha de negar a elegibilidade ao AFE com base na adesão ao Novel.

2 – A Fundação Renova reconheça imediatamente o direito ao AFE em favor daqueles atingidos que tiveram tal direito negado com fundamento no pagamento de verbas indenizatórias e na assinatura de termo de quitação exigido dos atingidos que aderiram ao Novel. 

3 – A Fundação Renova forneça uma lista sigilosa dos casos de negativas de elegibilidade ao AFE. 

4. Que todas essas medidas sejam aplicadas às pessoas atingidas que residem nos municípios reconhecidos pela Deliberação nº58/2017. 

O passo seguinte das Instituições de Justiça foi de aguardar a decisão do juiz sobre o caso. 

15 DE MARÇO DE 2024: decisão judicial íntima Fundação Renova

Ao considerar os fatos e fundamentos jurídicos apresentados pelas Instituições de Justiça no autos do processo sobre as negativas ao AFE, a 4ª Vara Federal Cível e Agrária da Subseção Judiciária de Belo Horizonte intimou as empresas e a Fundação Renova, para se manifestarem no prazo de 48 horas, sobre os “eventuais abusos praticados pela Fundação Renova em negar elegibilidade ao AFE com fundamento no termo de quitação do Novel”. 

20 DE MARÇO DE 2024: Resposta das empresas ao juiz

Em resposta ao juiz, as empresas justificam que quando a pessoa atingida  ingressa no Novel e outorga quitação ampla e integral, está renunciando todas as pretensões financeiras formuladas até aquela data. De acordo com a interpretação das empresas, “por livre e espontânea vontade, o atingido adere ao Novel e outorga quitação desistindo de toda e qualquer pretensão financeira pedente”. Ou seja, por essa razão da quitação, as negativas ao direito ao AFE.

Dessa forma, as empresas destacam que não há razão para que a Fundação Renova seja obrigada a abster-se de negar o pagamento do AFE com base na adesão do Novel. 

25 DE MARÇO DE 2024: Decisão do juiz após manifestação das empresas

O juiz Vinicius Cobucci aponta que a temporalidade do AFE está relacionada ao processo de reparação e que, enquanto não houver a reparação das áreas atingidas, com impacto positivo que permita a retomada das condições para a atividade produtiva e econômica, o AFE será pago. “O tempo da reparação depende da ação da Fundação Renova e das sociedades. Quanto mais rápidas forem as ações de reparação e restabelecimento das condições pré-rompimento, mais rápida será a cessação do AFE. Se as sociedades e a fundação demorarem, oito, nove, ou dez anos para repararem o dano causado, o AFE será pago enquanto necessário”, destacou o juiz.

A decisão entende que qualquer quitação deve ser interpretada de forma restritiva, devido à disposição de direitos envolvidos. “Admitir a quitação irrestrita com efeitos futuros, especialmente em relação ao AFE, implica violação ao princípio da reparação integral. Se a quitação foi dada, por que reparar? As atividades econômicas do atingido são continuadas e se desenvolvem ao longo do tempo. Desta forma, o AFE deverá ser pago, enquanto não forem retomadas as condições para o exercício das atividades econômicas e produtivas pré-rompimento”. 

Dessa forma, o juiz aprovou parcialmente o pedido formulado pelas Instituições de Justiça no dia 28 de fevereiro de 2024, que estão de acordo com decisões judiciais anteriores. O juiz ainda aponta que é reprovável e ilícita a negativa ao AFE com o argumento do termo de quitação exigido dos atingidos que aderiram ao Novel. 

Os demais pontos de decisão constam no início do texto. 

Câmara Técnica de Organização Social e Auxílio Emergencial (CTOS)

Um dos espaços de governança previsto no Termo de Ajustamento de Conduta relativo à Governança (TAC-GOV) são as Câmaras Técnicas (CTs), que tem como objetivo promover discussões técnicas na busca de soluções às divergências relacionadas aos programas, projetos e ações de reparação integral. 

Nesse contexto, a Câmara Técnica de Organização Social e Auxílio Emergencial (CTOS) tem como uma das atribuições acompanhar as atividades relacionadas ao recebimento do AFE e impedir possíveis abusos. No entanto, a participação das pessoas atingidas nesse e em qualquer outro espaço de governança, não vincula ao recebimento de Auxílio Financeiro ou programas indenizatórios.

Importante destacar que essa CT está fechada desde 2023 e na última reunião do Comitê Interfederativo (CIF) foi deliberada sua reabertura e solicitado ao governo federal que indique  o novo coordenador. 

Posterior a isso, lideranças dos territórios atingidos resolveram elaborar um Abaixo Assinado para pressionar a reabertura da CTOS tendo em vista sua importância no monitoramento das concessões do Auxílio Financeiro Emergencial. 

Ressalta-se que é garantido às pessoas atingidas a indicação de 02 membros titulares e 02 suplentes, que poderão contar com o apoio das Assessoria Técnicas Independentes para atuação em cada uma das CTs. 

Entretanto, é importante destacar, que será no Encontro da Bacia e Litoral Norte a definição dos representantes que integrarão as vagas das instâncias de governança e participação.

No Encontro, que no momento não há data prevista para acontecer, será feita a indicações de nomes de pessoas atingidas para comporem o sistema de governança do processo de reparação, em observância ao Termo de Ajustamento de Conduta relativo à Governança (TAC-GOV), conforme solicitado pelas Instituições de Justiça que acompanham o caso. 

Não está prevista outra forma de ingresso nos espaços de governança, em que há representação de pessoas atingidas, que não seja por meio do Encontro da Bacia e Litoral Norte do Espírito Santo.