Audiências de conciliação com atingidos do território 05 debatem sobre insegurança hídrica e captação alternativa de água

Contaminação da água para consumo humano, estruturas inadequadas das Estações de Tratamento de Água (ETAs) e captação alternativa são discutidos em audiência de conciliação com Instituições de Justiça, empresas e autarquias

“Mina do Padre”: Local onde as pessoas atingidas buscam água, em Galiléia. Foto: Gabriela Pôrto/CAT ATI

Durante os dias 5 e 6 de fevereiro, ocorreram três audiências de conciliação designadas no processo judicial referente ao Eixo Prioritário n.º 09-Abastecimento de água para consumo humano, em trâmite na 4ª Vara da Justiça Federal, com a população atingida de Tumiritinga e Galiléia para discutir sobre as problemáticas relacionadas às Estações de Tratamento de Água (ETAs), insegurança hídrica e estratégias de captação alternativa de água. 

Estiveram presentes atingidas e atingidos representantes de Galiléia, Tumiritinga, e da comunidade São Tomé do Rio Doce, do Ministério Público de Minas Gerais, da Defensoria Pública de Minas Gerais, da Fundação Renova, da AECOM, que atua como perita judicial neste processo, da Defensoria Pública da União, do Ministério Público Federal, da Prefeitura de Tumiritinga, da Prefeitura de Galiléia, da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) e do SAAE (Serviço Autônomo de Abastecimento de Água e Esgoto).

Desde o rompimento da barragem da Samarco (VALE/BHP) em 2015, os municípios de Tumiritinga e Galiléia enfrentam problemas relacionados ao acesso à água para consumo humano, doméstico, dessedentação animal e agricultura. De acordo com laudos emitidos pela COPASA, SAAE e Fundação Renova, a água que chega às casas das pessoas atingidas no Território 05 tem indícios de contaminação por metais pesados, coliformes e agrotóxicos. 

Estação de Tratamento de Água, em Galiléia. Foto: Fabrício Colen/CAT ATI

Tal situação tem levado a população a reivindicar melhorias para o abastecimento de água em suas comunidades, assim como possibilidades de captação alternativa, que não estejam vinculadas ou nas proximidades do Rio Doce. Neste contexto, a população precisa recorrer a diferentes opções para tentar garantir o direito à água. Isso inclui a perfuração de poços subterrâneos, a busca por água em mananciais distantes, a compra de galões de água mineral e a reivindicação da captação alternativa para as ETAs.

A promulgação da Lei 14.755/2023 que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), atuou como um importante instrumento para fundamentar a participação informada dos atingidos e atingidas na audiência de conciliação, como forma de garantir representação nas negociações sobre formas e parâmetros de reparação, além de planos, cronogramas e projetos de infraestrutura. 

Além dos atingidos, a defensora pública Dra. Carolina Morishita também ressaltou a necessidade de promover a captação de água através do rio Caratinga, para que seja solucionado o problema da insegurança em relação à qualidade da água por parte dos moradores de Tumiritinga. 

“Toda a leitura do TTAC precisa ser feita com o princípio da centralidade do sofrimento da vítima. Acho que uma das melhores partes dessa audiência foi a possibilidade não apenas de manifestação, mas de acompanhamento pelas pessoas atingidas. Isso é um processo de educação e pedagógico de qual é o papel de cada um dos atores. O acesso à informação é uma constante nas reclamações das pessoas atingidas e acho que com essas audiências de conciliação mesmo que a gente não alcance um acordo a gente traz uma possibilidade de compreensão”, enfatiza Dra. Carolina.

É importante destacar que para todas as audiências acima citadas, não houve acordos entre a população atingida, empresas, poder público e instituições de justiça. As partes se manifestarão por escrito nos autos do processo.

Pessoas buscando água para utilizar em seus afazeres domésticos. Foto: Gabriela Pôrto/CAT ATI

Entenda os casos

Quando a lama de rejeitos atingiu os municípios, houve a paralisação temporária do abastecimento de água captada pelo Rio Doce, em Tumiritinga a distribuição ocorreu através de um poço artesiano com má qualidade e água imprópria para consumo humano e doméstico, já em Galiléia, o SAAE comprovou o desabastecimento por 32 dias. 

Com a assinatura do Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), em 2016, foi estabelecido a efetivação da reparação dos danos relacionados à água através da implementação de programas que promovam melhorias no sistema de abastecimento desses municípios. 

“Poço do Jaó”, um dos locais de abastecimento de água de Tumiritinga. Foto: Wan Campos/CAT ATI


As resolutivas acerca do abastecimento de água no território 05 e em toda a Bacia do Rio Doce foram descritas na Cláusula 171 do TTAC, que seriam geridos pela Fundação Renova, através do Programa 32 – Melhoria dos Sistemas de Abastecimento de Água. Esta cláusula avalia que deve haver uma redução em 30% da dependência do uso da água do Rio Doce para as Estações de Tratamento de Água (ETAs) e que os projetos de melhoria da infraestrutura destas deveriam ter suas obras finalizadas até 2018. No entanto, segundo informações obtidas no site da Fundação Renova e nos relatórios da Ramboll, expert do Ministério Público Federal, a maioria das ETAs tiveram suas obras iniciadas com atrasos. Até 2021, foram entregues 80 dos 82 projetos básicos previstos, o que demonstra um atraso de cinco anos em relação ao que foi acordado no TTAC. Especificamente em Tumiritinga, a ETA localizada no distrito de São Tomé do Rio Doce sequer foi entregue.

Zilda Pereira, ribeirinha e moradora de Galiléia há mais de 30 anos, esteve presente na audiência relatando os danos à infraestrutura de seu imóvel devido à construção da ETA de Galiléia e expõe “eu moro próximo a ETA de Galiléia, fui prejudicada demais, a população inteira de Galiléia foi prejudicada com essa água, hoje a gente não tem água, nós tem que buscar água, eu gasto quase 50 reais por semana de água […] perdi uma parte da minha casa por causa dessa construção da ETA, a Samarco e a CEMIG colocou um poste, por cima, perto da minha casa, me prejudicou muito, eu tenho criança pequena em casa, então eu fui muito prejudicada […] a água não serve pra beber, ser só mesmo pra limpar a casa e lavar roupa. As torneiras enferrujando, a gente tomando choque nas torneira e a água muito amarela não serve pra nada, tem que ser buscada na mina ou comprar água mineral […]” 

ETA de Galiléia. Foto: Fabrício Colen/CAT ATI

Em Galiléia, o principal objetivo na audiência era que as partes envolvidas pudessem chegar a um consenso acerca dos seguintes pontos controversos: demolição da estrutura da antiga ETA da cidade, que encontra-se com risco de desabamento; e a utilização de quatro poços artesianos como fonte de captação alternativa de água. 

Em relação aos poços, estes não estão em funcionamento, pois, de acordo com o representante da Prefeitura de Galiléia, a água que vem desses poços era ferruginosa, sendo imprópria para consumo mesmo após o tratamento. Devido a isso, os filtros que compunham a estrutura dos poços foram retirados e doados pelo ex-diretor do SAAE de Galiléia. Em relação a essa controvérsia, ficou definido que os filtros dos poços que haviam sido retirados pela prefeitura deveriam ser recuperados e reinstalados para ser feita nova análise, pela AECOM, acerca da qualidade da água vinda desses poços. 

Letícia Ferreira, atingida e moradora da área urbana de Tumiritinga, destacou que desde o rompimento o município tem como principal fonte de água um poço artesiano que oferece uma água de má qualidade, a população denuncia que a água deste poço “dá choque” quando em uso doméstico ou higiene pessoal.

“Esses laudos chegam até nós e também chegam até a Fundação Renova. E aí vem o questionamento: Já que a Fundação Renova assinou esse termo de transação e ajustamento de conduta afirmando para a população que iria monitorar a qualidade da água que a população consome, toda vez que chega um laudo e esse laudo vem insatisfatório, a água está imprópria, eles deveriam procurar as empresas e também os municípios (…) Nós recebemos alguns laudos mostrando isso e a Fundação Renova não se prontifica a nos ajudar quanto a essa realidade (…) nós temos como provar que essa água não está própria para o consumo”, pontua Letícia.

No Território 05, foram identificados diversos indicadores que resultam na desconformidade da qualidade da água segundo a Resolução CONAMA 357/2005. Em Tumiritinga os mais preocupantes incluem Manganês Total, Cor Aparente, Escherichia coli, Cloro Residual Livre e Ferro, com maior incidência nos períodos chuvosos. Em Galiléia, os piores parâmetros são Escherichia coli, Cor Aparente, Cloro Residual Livre, Alumínio Total e Coliformes Totais, também com maior incidência durante a época de chuvas.

A população de Tumiritinga e Galiléia passaram então a depender da compra semanal de galões de água mineral ou busca de água em minas d’água comunitárias. Em visitas domiciliares realizadas pelo CAT/ATI, pessoas atingidas atingidas relataram que usam água mineral até mesmo para banhar-se, já que a água que chega ao chuveiro causa irritação na pele. 

Além dos riscos para a saúde, a falta de acesso à água potável também pode impor uma carga desproporcional sobre mulheres e pessoas idosas. Em muitos casos, as mulheres são responsáveis por buscar água para suas famílias, e a falta de acesso próximo e seguro à água pode significar que elas precisam caminhar longas distâncias todos os dias, deixando pouco tempo para outras atividades, como educação ou trabalho remunerado. Além disso, os idosos, mesmo com suas questões de saúde, precisam se deslocar nesses trajetos embaixo de sol ou chuva.