Assessoria Técnica Independente inicia trabalho em Tumiritinga e Galiléia após 7 anos do desastre-crime da Samarco

O Centro Agroecológico Tamanduá realizou, nos dias 9 e 15 de março, reuniões de apresentação da equipe técnica que atuará no projeto de Assessoria Técnica Independente (ATI) às pessoas atingidas no território formado pelos municípios de Tumiritinga e Galiléia.

Por Comunição da Assessoria Técnica Independete do CAT

A Assessoria Técnica Independente (ATI) aos atingidos e atingidas pela barragem da Samarco (Vale e BHP), no Território 05, que abrange os municípios de Tumiritinga e Galiléia, em Minas Gerais, dá início aos seus trabalhos após um longo trâmite legal, que se estende desde 2018, com a escolha do Centro Agroecológico Tamanduá (CAT) como ATI, até a sua real implementação, no final do ano de 2022, sete anos após o desastre-crime.

Ao todo, 36 profissionais atuarão na ATI do CAT, em Governador Valadares. Foto: Miriã Fuly/ATI CAT

Marcando o início de suas atividades, a ATI do CAT realizou uma semana de formação de sua equipe técnica multidisciplinar, entre os dias 23 de fevereiro a 3 de março, com assessores e assessoras que atuarão junto aos territórios de Tumiritinga e Galiléia, contribuindo no processo de participação na reparação integral das perdas e danos em consequência do rompimento da barragem do Fundão, de propriedade da Samarco, Vale S.A. e BHP Billiton, que atingiu toda a bacia do Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, em novembro de 2015
Após a formação, a ATI iniciou uma agenda de reuniões ampliadas com os territórios acompanhados, nos dias 9 e 15 de março, para apresentação da equipe e do plano de trabalho construído com as pessoas atingidas do território.

Cerca de 100 pessoas atingidas compareceram à 1ª reunião ampliada, em Tumiritinga. Foto: Wan Campos/ATI CAT

Mesmo após quatro anos de atraso, desde a escolha das ATIs na bacia do Rio Doce, até o início efetivo de seus trabalhos, a equipe técnica do CAT foi recebida com muito entusiasmo pelos territórios, mesmo com o eventual desgaste das populações atingidas diante da morosidade na condução dos processos de reparação integral.

Na ocasião, atingidos e atingidas também tornaram públicas suas insatisfações pelo descaso cometido pela Fundação Renova ao longo de todo o processo, relatos que evidenciam como os projetos de reparação promovidos pela empresa são insuficientes diante das demandas apresentadas pelos territórios, reproduzindo um ciclo de violência e impactos socioambientais que se estende desde o rompimento da barragem.

“O que a gente recebeu? O que foi reparado? A gente sofre todos os dias. Por que tá dando tanta enchente? O nosso rio está assoreado. Precisamos pensar em uma política de convivência com a mineração. Eu não vou mudar, meus filhos não vão mudar, meus netos estão crescendo lá, então nós precisamos mudar alguma coisa com isso. Temos que construir uma política de convivência com a mineração”, relata um atingido e morador de Tumiritinga. 

1ª Reunião Ampliada entre a ATI do CAT e pessoas atingidas de Galiléia. Foto: Wan Campos/ATI CAT

Já em Galiléia, surgem relatos  acerca das falhas na identificação dos atingidos e atingidas e suas demandas, onde alguns pescadores não foram reconhecidos pela pela Fundação Renova como atingidos, devido a ausência de declaração de pesca.

“Eles (Fundação Renova) vinham aqui e faziam o que queriam com a gente. Sou pescador desde 79, sou filho de Galileia, nunca tive uma carteira profissional porque nunca necessitei de ter. Eles fizeram o que quiseram. Eu pescava e pegava peixes de 15kg no Rio Doce, eu tenho todas as provas”, destaca um pescador. 

Durante as reuniões, as pessoas atingidas foram informadas sobre o trabalho que o CAT desenvolverá como ATI. Foto: Wan Campos/ATI CAT

Neste sentido, Filipe Fernandes, coordenador geral da ATI, destaca que “o CAT inicia o trabalho como Assessoria Técnica Independente dentro de um contexto sociopolítico complexo, após longos sete anos desde o rompimento da barragem e a execução de diversos programas de reparação socioeconômica e socioambiental. E esses programas, por não garantirem a efetiva participação das pessoas atingidas tanto no planejamento quanto na execução, continuam sendo temas de constantes questionamentos, dúvidas e insatisfações no território. É neste sentido que a ATI chega, como um instrumento de luta importante, para junto com as pessoas atingidas, buscar a garantia da informação, participação, e vislumbrar algum tipo de incidência dentro desses processos instituídos”.

Após essa etapa de reuniões mais amplas, é previsto que nas próximas semanas que a ATI inicie os diálogos com os Núcleos de Base e Comissão de Atingidos, a fim de assegurar espaços onde grupos específicos possam apresentar suas demandas, dúvidas, e para que, conjuntamente  e de forma organizada, sejam compartilhados os aspectos que envolvem a participação das pessoas atingidas no processo de reparação e construído os próximos passos do trabalho da ATI.

Contexto

Durante as reuniões, as pessoas atingidas tiveram a oportunidade de falarem sobre suas expectativas em relação ao trabalho da ATI. Foto: Wan Campos/ATI CAT

Durante a apresentação em Tumiritinga, Janaina Julião, gerente de Direitos e Participação, reforça que “A ATI é um direito das pessoas atingidas, que origina-se com a experiência após o rompimento da barragem de Fundão em Mariana. O contexto em questão refere-se às reivindicações da população de Mariana e do Ministério Público acerca da necessidade de uma equipe independente da Fundação Renova e que seja confiável. Essa experiência, portanto, não estava escrita em lei no seu início e perpassa as mobilizações de grupos atingidos. Em 2018, por meio do ATAP, o direito à assessoria técnica estendeu-se a todos os municípios da bacia do Rio Doce. O termo independente significa justamente que a equipe da assessoria não tem nada a ver com a Vale, com a Renova, com a BHP, o compromisso é com vocês, pessoas atingidas.” 

A ampla participação é tida como elemento chave para o reconhecimento de todos os direitos violados, e só será alcançada quando os atingidos e atingidas estiverem organizados para, com apoio de um corpo técnico de confiança, compreender as diferentes perspectivas do processo de reparação e participar de maneira qualificada.

Desde o rompimento da barragem, as atingidas e os atingidos buscam por uma assessoria técnica, que seja capaz de fornecer elementos técnicos que lhes orientem nos processos de decisão, seja na análise de documentos necessários à elaboração de planos de ação, seja nos levantamentos de informações, nas metodologias de trabalho e na organização das comunidades, de reuniões das Comissões de atingidos e atingidas. Ou seja, a assessoria técnica visa assegurar  às pessoas atingidas informações qualificadas e de confiança para subsidiá-las nos processos decisórios.

Diante desse contexto, o processo para a implementação das ATIs para os demais territórios ao longo da bacia do rio Doce se inicia em julho de 2018, com a contratação do Fundo Brasil como expert do Ministério Público Federal, que tinha como objetivo viabilizar as escolhas de entidades para desempenhar o trabalho de assessoria nos dezoito territórios que compõem a Bacia do Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. 

Momento em que o CAT foi escolhido como ATI das comunidades de Tumiritinga e Galiléia. Foto: Nilmar Lage

Depois do chamamento público, em 11 de dezembro de 2018 o CAT foi escolhido por aclamação como ATI de Tumiritinga e Galiléia. No ano seguinte, em setembro de 2019, a entidade foi homologada como assessoria técnica. No entanto, o processo de contratação perdurou dois anos e, somente em novembro de 2022, é autorizado o início das atividades das ATIs nos territórios, após decisão judicial. A partir de então, o plano de trabalho construído junto com as pessoas atingidas e homologado pelo juízo pôde, enfim, começar a ser executado. 

Diante desse contexto, Filipe reforça o compromisso da equipe com os  territórios de Tumiritinga e Galiléia “esperamos trabalhar juntos e com as comunidades, a fim de garantir aquela que é a premissa básica dentro do processo de reparação: a participação informada. Ou seja, chegou o momento de discutir com as pessoas atingidas toda a estrutura de governança, os possíveis espaços de participação e incidência, o papel da comissão, os principais aspectos dos programas de reparação instituídos. É momento também de dialogar sobre os estudos que foram realizados ao longo desse tempo e que dizem respeito sobre as suas rotinas e modos de vida. E, o mais importante, levantar as possíveis omissões, falhas e brechas do processo de reparação, para que as pessoas atingidas, junto com a equipe da ATI do CAT, construam caminhos para a apresentação dessas possíveis lacunas para os tomadores de decisões”