Dossiê da Reparação – Volume 2 revela que medidas da Fundação Renova ampliaram desigualdades e produziram novos danos

Dossiê da Reparação – Volume 2, elaborado pelo CAT/ATI do Território 05, analisa falhas, omissões e distorções no processo de reparação conduzido desde o rompimento da barragem da Samarco (VALE/BHP), destacando a continuidade das vulnerabilidades sociais em Tumiritinga e Galiléia.

O volume 2 do Dossiê – Danos Reparação expõe as falhas, omissões e distorções do processo reparatório conduzido pela Fundação Renova e instituições responsáveis pelo desastre-crime da Samarco S.A. Ao analisar as medidas de reparação implantadas desde 2015, o documento demonstra que grande parte das ações, ao invés de restituírem direitos, ampliaram as desigualdades, fragilizaram laços sociais e produziram novos danos à população atingida do Território 05 (Tumiritinga e Galiléia).

A partir de dados extraídos a partir do registro familiar e relatos coletivos, o dossiê apresenta evidências de que programas como o Cadastro (PG01), o Auxílio Financeiro Emergencial (PG21), o Programa de Indenização Mediada (PIM) e o Sistema Simplificado de Indenização (Novel) operaram de modo burocrático, excludente e desrespeitoso, gerando desinformação, desigualdade de tratamento e sobreposição de vulnerabilidades.

Além das falhas indenizatórias, o documento dedica seções a temas sensíveis e estruturais como os danos específicos às mulheres, as inconsistências nas obras de abastecimento de água, a ineficácia das ações de saúde e proteção social, e a falta de efetividade dos programas de restauração florestal e retomada econômica. O conjunto demonstra um processo de reparação que, em muitos aspectos, reproduziu a lógica de violação iniciada pelo rompimento da barragem da Samarco(VALE/BHP).

Cadastro e Auxílio Financeiro Emergencial

A análise sobre o Programa de Cadastramento (PG01) destaca um cenário de insegurança jurídica e social, marcado por atrasos, inconsistências cadastrais e ausência de transparência. Em Tumiritinga e Galiléia, diversas famílias não foram reconhecidas como atingidas, apesar de evidenciarem perdas diretas nas atividades produtivas, na renda e na saúde.

O Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), criado como medida temporária, tornou-se ao longo dos anos a única fonte de sustento de centenas de famílias, evidenciando a lentidão e a fragmentação da política reparatória. O dossiê aponta que, enquanto o auxílio deveria garantir condições básicas até a efetivação da reparação integral, seu caráter emergencial foi perpetuado, submetendo os atingidos a uma situação de dependência e incerteza.

Dados levantados pelo CAT/ATI indicam que muitas famílias vivem com valores insuficientes para cobrir necessidades básicas, enfrentando ainda cortes injustificados e ausência de respostas da Fundação Renova. As análises do território revelam também a falta de padronização nos critérios de elegibilidade e a exclusão de comerciantes e trabalhadores informais, parcela expressiva da economia local.

Programas indenizatórios e atuação jurídica

O Programa de Indenização Mediada (PIM) e o Sistema Simplificado de Indenização (Novel) são descritos como instrumentos de gestão financeira e política, mais voltados à redução de passivos da empresa do que à reparação de direitos. Segundo o Dossiê, ambos os programas foram estruturados sem participação das comunidades e não consideram a complexidade dos danos vividos no Território 05.

Entre os problemas mais graves estão a falta de assessoria técnica adequada nos períodos mais críticos, valores padronizados e insuficientes, e ausência de critérios transparentes para reconhecimento de danos imateriais e coletivos. A atuação de advogados privados, em muitos casos, reforçou relações assimétricas, com contratos abusivos e cobranças excessivas de honorários, configurando um novo campo de exploração sobre a vulnerabilidade das famílias atingidas.

O documento enfatiza que os danos da reparação não são apenas materiais, mas também psicológicos e institucionais, gerando descrença nas instituições de justiça, ruptura do tecido comunitário e desgaste emocional prolongado.

Danos específicos às mulheres

A seção dedicada às mulheres atingidas apresenta um retrato profundo da desigualdade de gênero no contexto da reparação. Após quase nove anos de espera, elas seguem invisibilizadas e enfrentam agravamento da pobreza, sobrecarga emocional e perda de autonomia econômica.

O Dossiê indica que as mulheres sofreram danos específicos tanto pelo rompimento quanto pelo modelo de reparação excludente, sendo submetidas a duplas e triplas jornadas de trabalho, perda de espaços produtivos e ausência de reconhecimento de suas atividades como geradoras de renda.

O documento produzido pelo CAT/ATI aponta que a falta de acesso à informação e a centralização das decisões em instâncias distantes reforçaram a dependência financeira e o isolamento social. Mesmo com avanços pontuais, como o Programa para Mulheres previsto na repactuação de 2024, a reparação de gênero ainda carece de atenção e recursos efetivos.

Inconsistências nas obras e programas ambientais

O Dossiê também denuncia problemas estruturais nas obras de abastecimento e saneamento, como as estações de tratamento de água (ETAs) de São Tomé do Rio Doce e Galiléia. As obras executadas pela Fundação Renova apresentaram falhas técnicas, rachaduras em residências próximas e ineficiência na melhoria da qualidade da água, o que perpetua a insegurança hídrica no território.

Nos programas de restauração florestal e produção de água (PG26 e PG27), o relatório destaca execuções parciais e pouco transparentes, com áreas de recuperação reduzidas e distantes das comunidades mais afetadas. A meta de 40 mil hectares restaurados em toda a bacia representa menos de 0,5% da área total, revelando uma estratégia simbólica diante da gravidade ambiental do desastre.

Saúde, proteção social e retomada econômica

Os planos de saúde e proteção social (PG14 e correlatos) são descritos como insuficientes e desarticulados. Faltam investimentos em infraestrutura básica, profissionais especializados e programas permanentes de acompanhamento. Muitas famílias seguem arcando com custos próprios de medicamentos, consultas e deslocamentos, o que agrava a vulnerabilidade sanitária.

No campo econômico, as iniciativas de retomada produtiva – como o projeto de Piscicultura em Tumiritinga e o fornecimento de silagem agrícola – fracassaram em seus objetivos, resultando em gastos de recursos de reparação sem resultados concretos e ausência de geração de renda sustentável.

Os novos rumos da reparação e a urgência da justiça territorial

O Volume 2 – Danos da Reparação revela que o processo conduzido pela Fundação Renova não apenas falhou em reparar os danos do rompimento, como criou um novo ciclo de violações. A burocracia, a falta de transparência e o distanciamento institucional das realidades locais transformaram a reparação em um novo vetor de sofrimento e desigualdade.

Em meio a esse cenário, o novo Acordo do Rio Doce, assinado em outubro de 2024 entre as Instituições de Justiça, governos e empresas responsáveis, representa um marco de redefinição dos rumos da reparação. O acordo prevê a criação de novos programas, reestruturação das ações de indenização e fortalecimento da governança participativa. Ainda assim, permanece o desafio de transformar as promessas firmadas em ações concretas que cheguem aos territórios e restituam direitos violados.

Entretanto, como aponta o Dossiê, o êxito desse novo ciclo dependerá da garantia do protagonismo das pessoas atingidas, do fortalecimento das Assessorias Técnicas Independentes e do comprometimento dos Governos Estaduais e Federal e das Instituições de Justiça com um modelo de governança verdadeiramente participativo.

Texto por Andressa Cruz | CAT/ATI

Imagens por Wan Campos | CAT/ATI

Clique aqui para baixar o Dossiê Volume 2 – Danos da Reparação

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