Samarco, VALE e BHP são condenadas por danos morais coletivos ao pagamento de mais de 47 bilhões aos territórios atingidos que integram o TTAC como responsabilização pelo desastre-crime na bacia do rio Doce
No marco dos 5 anos de rompimento da barragem da VALE em Brumadinho, 25 de janeiro, o juiz federal Vinicius Cobucci julgou Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e Ministério Público de Minas Gerais e condenou as empresas Samarco, Vale e BHP por danos morais coletivos pela violação de direitos humanos causados no desastre-crime que acarretou o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015.
Por esta condenação, a decisão também estipula o pagamento de R$ 47,6 bilhões de reais, que terá correção de juros de mora desde a data do desastre-crime, com destinação para as áreas impactadas, a saber municípios do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta – TTAC, Deliberação n. 58 do Comitê Interfederativo, e os casos específicos em que houve decisão judicial com o reconhecimento de uma localidade. Atualizado, o valor da condenação pode chegar a aproximadamente R$73,5 bilhões de reais. É importante destacar que da decisão cabe recurso.
O magistrado apresenta informações que demonstram o quanto as empresas têm buscado segurança jurídica e a chamada definitividade para o caso. Porém, afirma que “…dificilmente qualquer condenação coletiva à indenização por danos individuais homogêneos será exaustiva, taxativa ou exclusiva a ponto de impedir novas condenações futuras.”, por inúmeros fatores, como por exemplo, o fato de o laudo pericial sobre a segurança de alimentos ser disponibilizado oito anos depois, e como podem gerar a discussão sobre novos danos. O juiz aponta ainda que “…na medida em que as consequências do rompimento da barragem perdurarão talvez por muitas décadas, alguns danos podem ser constatados apenas muitos anos depois.”
A busca pelo direito à reparação integral é pauta das pessoas atingidas desde o rompimento. Mais de oito anos após, a ausência do reconhecimento da responsabilidade pelo dano causado, é apresentado na referida decisão como “…a ausência de qualquer compromisso ou aparente interesse na reparação pelo dano moral coletivo”. Não há qualquer reconhecimento pelas partes rés, Samarco, Vale e BHP.
A decisão compreende ainda, que os danos morais coletivos atribuem responsabilidade direta às empresas causadoras do desastre-crime e que esta é uma maneira de reparar os direitos fundamentais da comunidade atingida, que ultrapassa as fronteiras delimitadas por estas mesmas empresas à categoria de população atingida. Segundo o juiz, “o estado de coisas anterior ao desastre não retornará. As perspectivas de desenvolvimento das comunidades e seus integrantes que então existiam à época do rompimento não mais subsistem. Além do sofrimento individual de cada vítima, o ideal de coletividade, enquanto elemento que une as pessoas das comunidades atingidas e o ambiente em que viviam, foi impactado negativamente”. Ele relata ainda que, “…O rompimento da barragem teve como consequência a violação de direitos humanos em série.”
Ao longo dos oito anos após o rompimento, Samarco e Fundação Renova instituíram o programa de Auxílio Financeiro Emergencial – AFE, o Programa de Indenização Mediada – PIM e o Sistema indenizatório Simplificado NOVEL, que tem como princípio a indenização individual. Tais sistemas foram instrumentos de violação de direitos por não reconhecer ou caracterizar adequadamente os danos sofridos pela população atingida, limitar o acesso a esses programas e adotar matrizes de danos que não contemplam a totalidade da realidade dos territórios da Bacia do Rio Doce .
“A ação corresponde ao rompimento da barragem e o lançamento de rejeitos. Mas, repito, quais são os danos? Como se estabelece o nexo de causalidade para a condenação genérica pretendida?”, questiona o juiz acerca do entendimento das empresas de que as indenizações individuais encerram suas obrigações quanto à reparação.
O cálculo do valor estipulado na decisão considera que as empresas declaram a aplicação de 31,7 bilhões em programas de reparação e compensação. No entanto, as despesas administrativas da Fundação Renova contabilizam 31,2 bilhões, um valor equivalente ao informado como gasto no processo reparatório. O juiz questiona sobre a veracidade da aplicação desta quantia em prol dos atingidos.
“No caso concreto, não se trata de mera função pedagógica ou punitiva. A indenização pelo dano moral coletivo deve ser ter como propósito atuar como garantia de não repetição. A ausência de resposta jurídica adequada, no momento oportuno, possivelmente contribuiu para o rompimento da barragem em Brumadinho em 2019. Em dezembro de 2023, Minas Gerais possuía três barragens com risco de ruptura.”
Importante destacar que, por determinação judicial, o valor desta condenação, caso seja efetivamente pago pelas empresas, será destinado ao Fundo previsto na Lei nº 7.347/85 que dispõe sobre as ações civis públicas de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, consumidores e bens e direitos de interesses difusos ou coletivos, uma vez que no entendimento do juiz não cabe o Poder Judiciário elaborar políticas públicas. Essa lei prevê que o referido fundo será gerido por conselhos estaduais ou federais, com a participação do Ministério Público e de representantes de pessoas atingidas. A única ressalva feita pelo juiz em sua decisão é de que esses recursos deverão ser empregados obrigatoriamente na região atingida pelo rompimento.