Perito oficial do caso Samarco/Vale-BHP avaliou a segurança no consumo de peixes e produtos agrícolas irrigados pelo Rio Doce. Diversos alimentos são considerados inseguros para consumo para territórios nas faixas ribeirinhas , como os municípios de Tumiritinga e Galiléia
Comunicação CAT/ATI
Em dezembro de 2023 foram divulgados relatórios de uma perícia realizada pela AECOM que trazem informações sobre a segurança do alimento direcionada para o consumo de produtos agropecuários produzidos a partir da irrigação ou consumo animal, com a água do rio Doce. Os documentos são considerados resultado do primeiro estudo completo de Segurança do Alimento na área atingida pelo desastre-crime do rompimento da barragem da Samarco/Vale-BHP.
A AECOM do Brasil Ltda. é perita oficial desde 2020 no “Caso Samaco/Vale-BHP” responsável por avaliar a segurança no consumo de peixes e produtos agrícolas irrigados pelo rio Doce. Os resultados da perícia já foram divulgados em laudos, sendo os mais recentes os Relatórios n° 58 e 59 que tratam do “Diagnóstico de caracterização da área de interesse” e do “Laudo Pericial da Segurança do Alimento – Produtos Agropecuários”, respectivamente.
O Relatório nº 58 caracteriza os estabelecimentos agropecuários e agrícolas que usam água dos corpos hídricos afetados pelo rompimento da barragem de Fundão e da estimativa de consumo de alimentos pela população da área de interesse. O Relatório n° 59 apresenta os resultados da avaliação de segurança do alimento a partir da coleta e análises de frutas, legumes, raízes e tubérculos, verduras, grãos, leite, mel, ovo, carnes e vísceras. O documento traz informações detalhadas sobre a metodologia empregada para avaliar a segurança de produtos agropecuários, de acordo com a frequência alimentar em três níveis de consumo: alto, médio e baixo, em diferentes grupos etários de homens e mulheres, e em relação à 59 substâncias químicas, dentre elas metais contaminantes e alguns agrotóxicos. A perícia judicial destacou que o consumo dos produtos agropecuários produzidos a partir da irrigação ou dessedentação animal com água do rio Doce apresenta preocupação (ou seja, valores de segurança dos produtos agropecuários comprometidos) para os altos e médios consumidores dos grupos de alimentos.
Para os altos consumidores, há preocupação com o consumo dos grupos das Frutas, que apresentam bário, chumbo, cianeto, magnésio, manganês, metilmercúrio e potássio; dos Legumes que apresentam chumbo; das Raízes e Tubérculos que apresentam chumbo e cromo VI; dos Grãos, que apresentam bário, boro, chumbo, cianeto, cobre, magnésio, manganês, níquel, potássio, titânio e zinco; do Leite onde foi encontrado arsênio III + V, chumbo, cromo VI, magnésio, metilmercúrio, potássio e titânio; do Ovo que apresenta chumbo; das Carnes, onde foram encontrados cromo VI, bifenilas policloradas (PCBs) e titânio; e das Vísceras que apresentam chumbo e cobre.
Para os médios consumidores, há preocupação para o consumo das Frutas, que apresentam chumbo, cianeto, magnésio, manganês e potássio; das Raízes e Tubérculos, onde foram encontrados chumbo e cromo VI; dos Grãos que apresentam cobre, magnésio, manganês, níquel, potássio e titânio); do Leite, que apresenta arsênio III + V, chumbo, cromo VI, magnésio e titânio; e das Carnes, que apresentam cromo VI e PCBs.
O documento evidencia que o consumo de verduras e mel não apresentou preocupação para altos e médios consumidores. Outro ponto de destaque é que para os consumidores de pequenas quantidades dos produtos agropecuários não foi observada preocupação em nenhuma substância química avaliada.
Ainda, as substâncias que indicaram preocupação à saúde, considerando os produtos agropecuários individualmente, são:
– Frutas: banana (magnésio e manganês) e laranja (chumbo);
– Raízes e Tubérculos: batata-doce (cromo VI) e mandioca (chumbo);
– Grãos: feijão (bário, boro, chumbo, cobre, magnésio, manganês, níquel, potássio, titânio e zinco);
– Leite: leite de vaca (arsênio III + V, chumbo, cromo VI, magnésio, metilmercúrio, potássio e titânio) e leite de cabra (chumbo, magnésio, titânio);
– Ovo de galinha (chumbo);
– Carnes: carne de galinha (cromo VI e PCBs);
– Vísceras: fígado de galinha (chumbo) e fígado de boi (cobre).
Riscos de consumo
A longo prazo, o consumo de alimentos contaminados pode causar intoxicação crônica no organismo, bem como uma série de problemas de saúde, como câncer, doenças cardiovasculares, danos neurológicos e problemas de desenvolvimento.
Os dados da perícia judicial realizada pela AECOM apresentados nos relatórios nº 58 e 59 apontam para um cenário de insegurança alimentar e de risco sanitário na região atingida pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineração. Em linhas gerais, o consumo dos produtos agropecuários não foi considerado seguro para os grupos de consumidores, grupos de alimentos e substâncias químicas avaliadas. A insegurança do consumo em função da contaminação foi verificada em frutas, legumes, raízes e tubérculos, grãos, leite, ovos, carnes e vísceras, com presenças de diferentes metais, nos dois maiores níveis de consumo.
Além disso, o relatório nº 59 anuncia a existência do nexo de causalidade, ou seja, uma relação de causa e efeito entre o rompimento da barragem da Samarco/Vale-BHP e as concentrações das substâncias químicas presentes nos alimentos. O nexo de causalidade foi analisado para as substâncias cuja avaliação de segurança dos produtos agropecuários resultou na conclusão de que o grupo de alimentos apresentou preocupação em relação ao seu consumo, dentre elas: o bário, presente em abacate, abacaxi, acerola, banana, cacau, laranja, limão, mamão, melancia, café, feijão e milho; o boro, presente no café e no feijão; o chumbo, no limão e maracujá; o cobre, no café, feijão e fígado de galinha; o magnésio, presente na acerola, polpa de coco-verde, laranja, mamão, café e feijão; o manganês, no abacate, laranja, limão e feijão; o níquel, no café, feijão e milho; o potássio, na cana-de açúcar, laranja, café e feijão; o titânio no café, feijão, milho e leite de vaca; e o zinco, no feijão.
Identificação de alimentos contaminados em Tumiritinga e Galiléia
Os municípios do Território 05, estiveram dentro da área de amostragem para a elaboração dos relatórios citados, com 430 pontos de cultivo avaliados, sendo 348 em Tumiritinga e 82 em Galiléia . A partir da metodologia utilizada pela perícia, além da coleta de amostras dos produtos agropecuários, 22 questionários de frequência alimentar foram aplicados, sendo 10 aplicados em Tumiritinga e 12 em Galiléia.
Portanto, a avaliação da exposição às substâncias químicas foi realizada a partir dos dados obtidos por meio da aplicação do questionário, bem como da avaliação da concentração de todas as substâncias químicas investigadas nos alimentos analisados. A segurança dos alimentos foi verificada em função da concentração de cada substância química verificada no alimento e da ingestão deste alimento (exposição).
No território 05, o cultivo de milho foi predominante nas faixas ribeirinhas com 51,9%, seguido da cana de açúcar com 17,6%, pomar com cultivos de banana, coco e manga (2,9%), banana com (2,7%) e coco com (2,4), seguido de pomares com consórcios de diferentes espécies.
É importante salientar que os níveis de contaminação dos alimentos e seus riscos de consumo, nos municípios do Território 05, seguem as indicações apresentadas acima, assim como para os demais municípios da Bacia do Rio Doce avaliados no relatório.
A caracterização da área de interesse permitiu um mapeamento detalhado realizado pela equipe Temática do CAT/ATI, que consta o uso e cobertura da terra nos municípios de Tumiritinga e Galiléia, permitindo a identificação de predominância dos produtos agropecuários analisados, conforme a figura a seguir.
CAT/ATI Recomenda
Os documentos da perícia elaborados pela AECOM sugerem que a Fundação Renova, os governos federal, estaduais e municipais implementem ações de comunicação de risco voltadas à população no intuito de orientar as pessoas sobre como reduzir a exposição aos contaminantes presentes nos alimentos. Nesse sentido, é sugerido que programas de vigilância sejam estabelecidos para monitoramento das substâncias químicas que apresentaram preocupação em relação à segurança dos alimentos analisados.
É importante frisar que mesmo que o consumo de um alimento seja considerado preocupante, não significa necessariamente que danos à saúde serão observados, mas sim que medidas de gerenciamento de risco devem ser tomadas, incluindo a adoção de ações de comunicação de risco, segurança alimentar e nutricional e vigilância e assistência à saúde.
À população atingida, recomenda-se que, quando possível, seja evitado o uso da água do rio Doce para irrigação e dessedentação animal, buscando fontes alternativas de água para tais fins.
O CAT/ATI também recomenda à população atingida do Território 05 que solicitem esclarecimentos à Fundação Renova e aos órgãos responsáveis sobre as ações e medidas para o gerenciamento dos riscos, para a proteção da saúde das pessoas atingidas e expostas, bem como para a mitigação e reparação dos danos à saúde humana ligados à contaminação e ao consumo dos alimentos.