A Caravana Interministerial percorreu, entre os dias 24 a 28 de março, cerca de 20 municípios na Bacia do Rio Doce, com o objetivo de discutir os termos do Acordo de Repactuação

Ao todo, 16 ministérios compõe a Caravana Interministerial do Governo Federal. Foto: Wan Campos/CAT ATI
Na sexta-feira (28), Tumiritinga recebeu a Caravana Interministerial do Governo Federal. Durante o evento, a Comissão Territorial de Atingidos do Território 05 apresentou uma série de reivindicações relacionadas ao novo acordo de Mariana. A reunião contou com a presença de representantes de 16 ministérios e serviu como um espaço para cobrar respostas e garantir compromissos firmados na repactuação.
A mesa de abertura foi composta por diversas autoridades, como a Secretaria Executiva da Secretaria-Geral da Presidência; Casa Civil; ANATER; Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social; IBAMA; INCRA; Ministério de Minas e Energia; Ministério da Educação; Ministério da Saúde.
A assessoria da Secretaria-Geral da Presidência, ressaltou que a Caravana busca explicar e tirar dúvidas sobre o processo de repactuação. Pontuando que quando o governo assumiu as negociações em 2023, os valores já estavam definidos em patamares baixos, sem considerar plenamente os direitos sociais. O desafio, então, foi revisar cláusulas e redefinir prioridades para fortalecer a perspectiva coletiva e garantir projetos sustentáveis.
“A indenização individual eventualmente se esgota. Por isso, a proposta do governo Lula prioriza um olhar para o futuro. Caso um município não aderiu ao acordo, isso não impede a implementação de programas nas áreas de saúde e assistência social, pois essas ações independem da adesão municipal”, explicou Zilda.
Durante a atividade, os representantes federais detalharam os principais pontos do acordo, enfatizando iniciativas voltadas para a transferência de renda, a retomada econômica e a recuperação ambiental.

O território 05 esteve presente e a equipe do CAT ATI acompanhou as pessoas atingidas durante o encontro. Foto: Wan Campos/CAT ATI
Pautas prioritárias para o Território 05
As principais reivindicações dos atingidos incluem questões relacionadas ao Programa de Transferência de Renda (PTR), participação social, saúde, saneamento básico, pesca, fiscalização ambiental e geração de renda. O grupo pede maior transparência na destinação dos recursos e na execução das políticas de reparação previstas no acordo.
Uma das maiores preocupações da comissão é a continuidade do Programa de Transferência de Renda (PTR). Atualmente, há incertezas sobre a estabilidade do pagamento do benefício e a metodologia utilizada para definir os beneficiários. Os atingidos cobram garantias para a manutenção do direito da população atingida , independentemente de mudanças de governo. Além disso, há questionamentos sobre a abrangência do PTR, já que muitas famílias que dependem do benefício ainda não sabem se serão contempladas.
Outra pauta importante é a garantia de geração de renda para as comunidades atingidas após o término do PTR. A comissão pede políticas públicas que incentivem a agricultura familiar, a pesca sustentável e outros modelos produtivos compatíveis com a realidade local.
Saúde e monitoramento da água
A população atingida reivindica um programa específico para tratar doenças relacionadas à contaminação por metais pesados. Além disso, cobra a execução dos Planos de Ação em Saúde elaborados pelos municípios, e não executados antes da repactuação.
A necessidade de monitoramento contínuo da qualidade da água e do pescado também foi abordada. Os atingidos questionam se haverá novos estudos sobre os efeitos do consumo de água contaminada e quais medidas estão sendo adotadas para prevenir o surgimento de novas doenças.
Renato Júnior, assentado da reforma agrária de Tumiritinga alerta que os dados relacionados à saúde não são divulgados e questiona se “Haverá programas de saúde dentro do SUS específicos para a Bacia do rio Doce, tendo em vista a contaminação pelos metais pesados e os danos já identificados? Haverá pesquisas para identificar os danos futuros, tais como aumento ou surgimento de doenças que têm relação com o consumo da água do rio Doce e a contaminação por metais pesados?”.
Participação social e fortalecimento da governança
A comissão exige a ampliação da participação dos atingidos na governança dos projetos financiados pelo acordo de repactuação. Dentre as reivindicações, está a aceitação da proposta da Articulação das Câmaras Regionais para garantir a representação dos 75 membros no Conselho Federal de Participação Social.
Também pontua que os projetos comunitários previstos no Anexo 6 da repactuação atendam todas as comunidades impactadas, sem limitação a apenas um projeto por município. A expectativa é que esses programas beneficiem comerciantes formais e informais, agricultores, pescadores, entre outros.
“Em relação à participação dos atingidos no Conselho Federal de Participação Social, estamos aguardando o retorno sobre a proposta da Articulação das Câmaras Regionais para o Conselho Federal de Participação Social? Solicitamos que tenha a representatividade de três pessoas por território!”, reforça Marilucia Gonçalves, membro da Comissão Territorial e representante do território na Articulação das Câmaras Regionais.

Durante a plenária, as pessoas atingidas trouxeram suas reivindicações e dúvidas sobre o acordo do Rio Doce. Foto: Wan Campos/CAT ATI
Saneamento básico
A falta de saneamento básico adequado é uma realidade que persiste em diversas localidades do Território 05. Os atingidos questionam se os municípios que não aderiram ao acordo receberão recursos para executar projetos de saneamento e exigem a construção de estações de tratamento de esgoto.
Outro ponto de atenção é a segurança hídrica. A comissão solicita que seja viabilizada a captação de água do rio Caratinga para abastecer São Tomé do Rio Doce e Tumiritinga, garantindo qualidade de vida aos moradores. Além disso, cobra a implementação de programas de incentivo para a construção de fossas sépticas em áreas rurais.
Infraestrutura, mobilidade e compensações ambientais
A precariedade da infraestrutura rodoviária também foi um tema debatido na Caravana, visto que há previsões de cooperação entre estado de Minas Gerais e União para a execução destas obras. A comissão reivindica a pavimentação do trecho de 32 km que liga Tumiritinga a Conselheiro Pena, garantindo melhor mobilidade para os moradores e fortalecimento do comércio local, que foi duramente atingido após o rompimento do desastre socioambiental.
Em relação às compensações ambientais, os atingidos pedem um cronograma detalhado para a recuperação da qualidade da água bruta e a implementação de projetos ambientais específicos para o Território 05. Além disso, cobram medidas concretas para a recuperação do solo e a fiscalização de novas áreas de mineração, que podem trazer riscos ambientais adicionais à região.
Pesca e o futuro dos pescadores atingidos
Os pescadores pedem informações sobre seus direitos no novo acordo e sobre a segurança da atividade pesqueira no Rio Doce. Além disso, defendem a criação de uma aposentadoria especial vitalícia para todos os pescadores profissionais do Rio Doce.
Armando Guimarães, pescador profissional de Tumiritinga, afirmou que existe uma regra de que valores vindos por causa do rompimento da barragem, não devem ser considerados renda. “Vários pescadores estão tendo problemas mentais. Dentro da repactuação, o pescador vai receber os dois anos que não recebeu o seguro defeso? Já que os atingidos não puderam participar, que pelo menos sejam ouvidos”, reforça o pescador.
Governança, execução de projetos e monitoramento das ações de reparação
Durante a Caravana Interministerial, os representantes do governo federal trouxeram respostas sobre a governança dos recursos e da execução dos programas previstos no acordo de repactuação. A estruturação do Conselho de Controle Social ainda é um tema em discussão. O governo informou que a população será consultada antes da formalização por decreto.
A criação de um Fundo de Participação Social permanente também foi abordada. Segundo representantes do governo, os projetos poderão ser desenvolvidos enquanto houver recursos disponíveis, e as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) auxiliarão na elaboração das propostas. Após o encerramento das ATIs, a continuidade desse trabalho poderá ser garantida por meio da contratação de novas entidades pelo Conselho Federal de Participação Social. Além disso, ficou estabelecido que a divulgação dos editais ocorrerá por meio de canais virtuais, com possibilidade de integração à plataforma Brasil Participativo.
Outros temas debatidos incluíram a implementação de projetos de retomada da atividade econômica por meio de editais específicos e a necessidade de uma abordagem integrada para o monitoramento da saúde da população atingida, com a criação de centros especializados ao longo da bacia do Rio Doce. A fiscalização ambiental e a destinação dos rejeitos também foram discutidas, com destaque para a retirada de 9 milhões de metros cúbicos de rejeitos na barragem de Candonga e a importância da participação popular na gestão do fundo ambiental.
A importância da mobilização e da participação popular
A presença da Caravana Interministerial no Território 05 marca o primeiro diálogo ampliado com a população atingida do Rio Doce, com participação da União, para que as comunidades atingidas cobrem respostas e garantias sobre os compromissos firmados na repactuação. A Comissão Territorial reforça a necessidade de que todas as decisões sejam tomadas com ampla participação popular, garantindo que as ações de reparação atendam de forma justa às necessidades dos atingidos.
Marlene Martins, assentada da reforma agrária e membro da Comissão de Atingidos, reforça que “Disse que já se passaram 10 anos do desastre, e os atingidos continuam na mesma. Quem garante que daqui a 4 anos a vida estará normal, que terão água boa? Aqui no território 05 tem uma comissão com 43 pessoas, com muita representatividade e enquanto o território discute aqui, outras pessoas ‘lá em cima’ decidem sem consultar”. Ao final de sua fala, a atingida entregou um ofício em nome da Comissão do Território 05, com todas as questões apresentadas por eles durante a atividade.
A comissão agora aguarda respostas do governo federal, com expectativa de avanços e implementação de políticas que assegurem a dignidade e a reconstrução das comunidades em toda a Bacia do Rio Doce.
Texto: Andressa Zumpano/CAT ATI