Entrega de Ofício ao governo federal e coletiva de imprensa marcam ações dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão contra o novo acordo de Repactuação do Caso Rio Doce
Atingidos aproveitam o momento da posse da nova ministra dos Direitos Humanos para entregar o manifesto. Foto: Arquivo / ATIs.
Na manhã desta sexta-feira (27), representantes das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, tentaram entregar um manifesto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. A tentativa aconteceu durante a posse da nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo. Os representantes esperavam apresentar propostas à repactuação do acordo de reparação do desastre-crime, alegando a importância da participação das pessoas atingidas nas negociações.
Embora não tenham conseguido entregar o manifesto diretamente a Lula, os (as) representantes da Articulação das Câmaras Regionais conseguiram apresentar o documento a assessores da presidência, além de outras autoridades presentes, incluindo a nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Deputadas do Estado de Minas Gerais, Leninha e Bela Gonçalves também receberam o documento, que contém propostas essenciais para o processo de repactuação.
O conteúdo do ofício apresenta seis principais reivindicações das populações atingidas, que envolvem desde a participação direta no processo de repactuação até a exigência de maior controle social sobre os recursos destinados à reparação dos danos causados pelo rompimento. Os atingidos questionam a forma sigilosa como as negociações têm sido conduzidas, com ausência de consulta e participação direta dos 21 territórios atingidos nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo nas discussões sobre o novo acordo de reparação. Apesar do sigilo atribuído pelo TRF-6, a população atingida exige que seja efetivado o seu direito à participação, previsto tanto em leis, quanto nos acordos firmados no processo de reparação.
Entrega do ofício à Drª Carolina Morishita, Coordenadora Geral de Acesso à Justiça e Redução da Litigiosidade. Foto: Arquivo / ATIs.
A Articulação das Câmaras Regionais, instância de representação das pessoas atingidas pelo desastre-crime, exige que os representantes eleitos no Encontro da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba, ocorrido nos dias 24 e 25 de agosto, em Belo Horizonte, tenham efetiva participação social nos processos que envolvem a reparação integral de seus territórios e portanto, sejam incluídos na mesa de negociações, conforme previsto no TAC-GOV (Termo de Ajustamento de Conduta da Governança).
Principais reivindicações expressas no ofício:
- Participação ativa dos atingidos na Mesa de Repactuação:
Os territórios atingidos solicitam que seus representantes eleitos no Encontro da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba sejam formalmente incluídos na mesa de negociações da repactuação. O pedido está alinhado ao que foi estabelecido pelo TAC-GOV (Termo de Ajustamento de Conduta da Governança), que prevê a participação dos atingidos nas decisões referentes à governança e reparação. - Escuta ativa das comunidades atingidas:
As lideranças solicitam que o governo conduza um amplo processo de consulta e escuta das populações afetadas, abrangendo todas as regiões atingidas, de Minas Gerais ao Espírito Santo. Eles argumentam que sem essa escuta, a repactuação não deve ser assinada, pois não refletiria as reais necessidades e interesses das comunidades impactadas. As demandas já foram sistematizadas por Assessorias Técnicas Independentes, mas o processo de escuta ainda não foi implementado. - Controle social sobre os recursos da repactuação:
O documento destaca a importância de garantir que os atingidos possam exercer o controle social sobre os recursos financeiros da repactuação. Eles exigem a criação de mecanismos que assegurem o acompanhamento, monitoramento e fiscalização da aplicação dos recursos, garantindo transparência e evitando desvios ou mau uso do dinheiro destinado à reparação. - Legitimação das Comissões Locais:
Outro ponto levantado é a continuidade e a legitimidade das Comissões Locais, que atuam nas áreas impactadas. As comunidades pedem que essas comissões, já consolidadas e atuantes, sejam formalmente reconhecidas e incluídas na governança prevista no novo acordo, de modo a garantir sua participação ativa nos processos de fiscalização e gestão. - Financiamento da participação das comissões:
O ofício também aborda a necessidade de garantir orçamento para que as comissões locais continuem desempenhando seu papel de forma autônoma e participativa. Os atingidos citam o atual “Orçamento Atingidos”, gerido pela FLACSO (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), como um modelo a ser mantido, e pedem que o novo acordo inclua previsão de financiamento para a participação das comissões consolidadas. - Limpeza completa do Rio Doce:
Um dos pontos mais urgentes apresentados no documento é a demanda pela limpeza completa do Rio Doce. Os atingidos apontam a gravidade das consequências ambientais ainda presentes na região e exigem ações efetivas e prioritárias para a despoluição do rio, que é uma das principais fontes de sustento, lazer e vida para as populações atingidas. Eles criticam a lentidão das medidas até então adotadas e cobram uma solução definitiva.
Falta de transparência no novo acordo e celeridade sem participação
O documento entregue às autoridades ressalta a preocupação das pessoas atingidas com a falta de transparência e participação nas negociações do novo acordo de repactuação. Para os (as) atingidos(as), a ausência de uma escuta qualificada e a exclusão dos representantes eleitos inviabilizam qualquer acordo que seja considerado legítimo e justo. As demandas vão desde a inclusão de representantes na Mesa de Repactuação até o acompanhamento, transparência e controle social da aplicação dos recursos.
Previsto para ser assinado em outubro, as negociações da repactuação seguem a portas fechadas e demonstram que as discussões estão sendo priorizadas. No dia 11 de setembro as Instituições de Justiça, governos estaduais e federal e as mineradoras rés no processo judicial (Samarco, Vale e BHP Billiton) solicitaram a suspensão por um mês dos processos judiciais do caso Rio Doce em atendimento à recomendação do Desembargador Dr. Ricardo Rabelo, que coordena a mesa de repactuação. No dia 18 do mesmo mês, o juiz Dr. Vinicius Cobucci, da 4ª Vara Cível e Agrária de Belo Horizonte, acatou parcialmente os pedidos, com a justificativa da complexidade da situação e o momento de cada uma das ações.
As empresas rés agravaram a decisão, mas a desembargadora Mônica Sifuentes, manteve a decisão de primeira instância. Logo, neste momento, seguem suspensas as duas Ações Civis Públicas: a Ação Civil Pública de R$ 155 bilhões, protocolada em 2016 pelo Ministério Público Federal (MPF), após o TTAC, sob a justificativa de que as tratativas feitas pelo poder público com as empresas não tiveram a participação do MPF e da sociedade atingida e a Ação Civil Pública das Mulheres, na qual as Instituições de Justiça apontam a responsabilidade da Fundação Renova, Samarco, Vale e BHP Billiton pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão às mulheres atingidas da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba.
Representantes dos Estados de MG e ES , durante coletiva de imprensa. Foto: Arquivo / ATIs
Coletiva de imprensa aborda exclusão dos atingidos nas negociações
Ainda nesta sexta-feira, às 16h30, os representantes das comunidades atingidas realizaram uma coletiva de imprensa no Hotel San Marco, em Brasília, para expor suas preocupações sobre a falta de participação nas negociações. A coletiva ocorreu em paralelo à primeira reunião do Comitê Interfederativo (CIF) após o Encontro de Atingidos e Atingidas da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba, onde foram eleitos 72 representantes para as instâncias de governança da Fundação Renova.
“Estamos aqui fazendo um apelo ao Presidente Lula, que todo o recurso destinado à União, Estados e municípios deve ser garantido o controle social aos atingidos. Que seja garantido acompanhamento, monitoramento, validação e fiscalização dos recursos destinados aos nossos territórios”, reforça a atingida Varner de Santana Moura, de Marilândia-ES.
Durante a coletiva, as representantes reiteraram suas exigências pela inclusão efetiva no processo de repactuação, bem como o respeito às necessidades das comunidades que há quase nove anos convivem com as consequências do rompimento da barragem de Fundão. As lideranças também destacaram a importância do financiamento adequado para garantir a participação das Comissões Locais Territoriais em qualquer que seja a nova governança e participação social que pode ser apresentada no acordo da repactuação, assim como a urgência de ações para a limpeza total do Rio Doce.
As preocupações entre os atingidos são ainda que os danos que não foram levantados nos territórios não sejam considerados na reparação. A ausência de consulta às comunidades atingidas tem sido um dos pontos mais criticados, já que os atingidos defendem que o acordo só deve ser firmado após uma ampla escuta dos territórios ao longo da Bacia do Rio Doce e Litoral Norte Capixaba.
Já a atingida Joelma Fernandes, ilheira e agricultora, de Governador Valadares-MG, traz a importância do rio Doce para o sustento das famílias atingidas. “O nosso rio Doce nos dá o direito de futuras gerações, sejam elas pescadores, ribeirinhos e outros que dependem dele. E nós queremos o rio limpo e com o direito à produção saudável, pois lá (em Governador Valadares) a gente produz produtos de qualidade para as merendas escolares”, pontua Joelma.
A coletiva evidencia as contradições que envolvem as negociações deste acordo e reforça a necessidade de uma maior transparência no processo de reparação, visando garantir os direitos das populações atingidas de Minas Gerais ao Espírito Santo.